MACLI - Mostra de Arte Contemporânea em Literatura Infantil

 

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO – SESC

O Sesc é reconhecido como um dos principais agentes de difusão cultural do país. Nossa programação promove ações educativas para a formação de público, incentivo à produção artística contemporânea e interlocução entre artista e público.

A 1ª Mostra de Arte Contemporânea em Literatura Infantil (MACLI) amplia a sensibilidade e a visão de mundo de crianças e adultos. Suas ilustrações, fruto do trabalho de artistas plásticos contemporâneos, propõem o diálogo entre as artes visuais e a literatura, apresentando experiências transformadoras. São ilustrações que nos aproximam tanto da técnica do artista quanto do mundo da fantasia e da criação literária.

Promover o acesso às artes e educar os sentidos são propostas presentes nas Diretrizes Gerais de Ação do Sesc no campo da Cultura, plenamente manifestada nas atividades do Centro Cultural Sesc Paraty.

MARON EMILE ABI-ABIB
Diretor-Geral do Departamento Nacional do Sesc

 

Apresentação

A 1ª MACLI – Mostra de Arte Contemporânea em Literatura Infantil foi uma exposição de artes visuais que aconteceu nas cidades do Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo, cuja seleção de mais de 80 obras, de 6 artistas visuais do Brasil, Estados Unidos, Israel e Argentina, voltavam-se para o universo da literatura infantil, num diálogo direto com a arte contemporânea.

A 1ª MACLI acervo é a primeira parte da coleção particular que começa a se formar, fruto dessa iniciativa. São quase 80 obras, originais e prints, assinadas ou autenticadas por seus criadores – sendo 2 emprestadas de outras coleções privadas. As técnicas utilizadas, na busca por procedimentos, materiais e poéticas próprias, são variadas (acrílica sobre tela ou placa de ilustração, óleo sobre madeira, xilogravura, fotografia, escultura e desenho digital). Por vezes o artista se utiliza de mais de uma dessas técnicas para chegar ao produto final, o que, sem dúvida, é também uma das características da arte contemporânea.
O resultado pode ser, por exemplo, uma belíssima impressão em Fine Art, uma escultura ou uma pintura original.

A intenção desse projeto é construir uma herança cultural que possa ser disponibilizada para o grande público – inicialmente de forma itinerante, mas, num futuro breve, também de modo permanente –, que revele, através da exposição de obras que foram criadas com a gênesis motivacional de serem apresentadas no suporte do livro para a infância, a seriedade e o talento de artistas visuais múltiplos, absolutamente inseridos nas questões inerentes ao campo da arte contemporânea.

 

O início de tudo

Em 2005, durante uma viagem pela Europa, tive a oportunidade de conhecer, em Portugal, a ILUSTRARTE – Bienal Internacional de Ilustração para a Infância. Há muitos anos que eu trabalhava com cultura, tendo dedicado boa parte desse tempo ao universo do teatro para crianças, de maneira que as chamadas “histórias infantis” sempre me foram caras e despertavam em mim um interesse especial, pela forma como eram representadas. Confesso que tive uma experiência transformadora ao entrar naquela sala repleta de originais emoldurados, de ilustrações dos mais variados livros voltados para o leitor iniciante. Quando retornei estava decidido a realizar um evento semelhante em terras tupiniquins.

Enquanto o tempo passava, comecei a aprofundar a ideia e a tomar contato com outros eventos semelhantes, bem como com outros espaços expositivos dedicados ao tema, como a BIBIANA – Bienal de Ilustração de Bratislava, na Eslováquia, ou o Museu Hergé, dedicado a expor obras do criador do personagem Tintim, na Bélgica.

Aqui no Brasil conheci as exposições Ilustra Brasil (que agrega ilustradores de livros infantis e adultos) e a Traçando Histórias, por exemplo. Porém, todas essas iniciativas pareciam ter como principal intenção a divulgação dos profissionais da ilustração e seus respectivos trabalhos, o que não era exatamente o que eu pretendia com o evento que desejava criar.

Incomodava-me notar que alguns daqueles profissionais eram, volta e meia, tratados como “apenas” ilustradores de livros, quando, para mim, eles eram (e são) bem mais do que isso, eram (e são) artistas visuais fabulosos. Eu queria criar um evento que tivesse como principal objetivo o reconhecimento desses criadores como artistas visuais, que expõem obras em galerias, museus ou feiras de arte, como qualquer outro dessa área. Queria criar um diálogo tal, entre suas obras e a arte contemporânea, que evidenciasse de forma inequívoca o pertencimento deles nesse campo da arte.

Em 2011, abri, com a curadora de arte e psicanalista Flavia Corpas, a Livre Galeria, no Rio de Janeiro.
Essa galeria foi uma iniciativa para viabilizar alguns dos nossos projetos pessoais, no campo das artes visuais, principalmente. Foi ali, então, que pude realizar, em 2012, a 1ª MACLI – Mostra de Arte Contemporânea em Literatura Infantil, cujo objetivo inicial era, como eu desejava, o de pôr em evidência obras originalmente criadas com a finalidade de serem reproduzidas em livros para crianças, mas que, não obstante suas motivações primárias, acabaram se revelando possuidoras de uma incrível qualidade artística, em consonância com os rumos da arte contemporânea. Tamanha expressividade concedia a tais obras evidente autonomia em relação ao livro de onde partiam. O primeiro critério para a seleção era que as obras tivessem um alto grau de investimento, por parte de seus criadores, na busca por procedimentos, materiais, linguagens e poéticas próprias, procedimentos tais que fortalecessem de maneira indubitável o enlace com a arte contemporânea. As obras não necessitavam já ter sido publicadas (embora a maioria fosse), mas era obrigatório que seus criadores fossem reconhecidos pela dedicação à representação visual de histórias da literatura para a infância. Além disso, as obras apresentadas, caso fossem inéditas, deveriam pertencer a um projeto futuro de publicação para este segmento.

Nos anos seguintes a mostra ganhou o patrocínio de uma grande instituição e viajou para Brasília e São Paulo, ficando dois meses em cada uma dessas cidades, nas Galerias Piccolas, I e II, e na Galeria Humberto Betetto, coroando definitivamente a iniciativa que havia começado num contexto totalmente independente. Para essas reapresentações da mostra, a curadoria decidiu ampliar a quantidade de obras e de artistas convidados anteriormente. Então, ao grupo inicial de artistas visuais, composto por mim, Fernando Vilela, John Parra, Juliana Bollini e Ofra Amit, além do compositor de música contemporânea Rubens Tubenchlak (que ambientou o espaço expositivo com uma trilha original, criada especialmente para a 1ª MACLI), se juntou o artista Renato Moriconi, com a série “Telefone sem fio”, de 28 quadros. Na série, formada por personagens ícones da literatura infantil, que repassam, um para o outro, uma mensagem secreta, Moriconi apropria-se do estilo e técnica utilizados por Piero della Francesca no século XV, ao retratar, em óleo sobre madeira, o duque Federico da Montefeltro e sua esposa Battista Sforza. Faz uma referência clara a uma obra do passado, mas recontextualiza-a para um universo totalmente diverso do original. Mais um procedimento típico da arte contemporânea.

Após o sucesso da MACLI em Brasília e São Paulo, o passo seguinte foi a aquisição de várias das obras expostas, para a criação de um acervo privado, o que facilitaria a itinerância das mesmas, bem como garantiria a exposição delas de modo permanente, no futuro. Foi então que adquirimos as primeiras 37 obras, que, junto com as minhas, inauguraram nossa coleção de arte contemporânea em literatura infantil expondo no Centro Cultural Sesc Paraty (CCSP), justamente durante um dos mais importantes eventos da literatura nacional e internacional, a Festa Internacional de Literatura de Paraty (FLIP). Para esse evento ainda contamos com o generoso empréstimo de duas obras do artista John Parra, pertencentes a outras coleções individuais.

Além dessa MACLI que abrimos hoje, dia 27 de outubro de 2015, no Centro Cultural Sesc Glória, em Vitória – ES, outras MACLIs virão e a MACLI acervo será ampliada, cada vez mais, com novos artistas e novas obras, viajando Brasil e mundo, até conquistar um espaço próprio, afim de que o grande público possa desfrutá-la de forma permanente.

Eu acredito em MACLI! E você?

FAVISH

 

O olhar mais além

O que acontece conosco quando estamos diante de uma obra de arte? O recorte adotado pela curadoria da 1ª MACLI nos remete a esta pergunta, ao mesmo tempo em que já desenha uma possibilidade de resposta. Em 1919, Freud desenvolve um conceito original para pensar a problemática da arte – o Unheimliche, o estranho, que aponta a experiência ao mesmo tempo familiar e inquietante em jogo, sobretudo, no campo da criação artística.

A noção de estranho coloca para a arte a questão do olhar, que também fora problematizada por Duchamp em sua crítica à dimensão “retiniana” da pintura. O estranho familiar produz um descentramento, nos põe diante da obra na posição de quem é olhado.

Os trabalhos que compõem esta mostra evocam questões que produzem efeitos de estranheza, como a morte, a relação com o Outro, o enigma e a própria noção de infância, questões patentes na obras dos artistas aqui presentes. A experiência do estranho revela-se não pelo tema em si, mas pela forma como este se apresenta no contexto da própria obra.

Na série “Alma”, de Juliana Bollini, o universo inocente atribuído aos contos de fadas é confrontado pela inquietante expressão das esculturas e das cenas criadas pela artista para compor as obras expostas.

Nas obras de John Parra, o onírico, o fantasioso e, sobretudo, a morte, segundo a tradição mexicana, comparecem numa mescla de cores vivas que não deixam de evidenciar que, em relação à morte, são inúmeras as nossas tentativas de fazê-la caber na vida.

Em “Telefone sem Fio”, Renato Moriconi faz circular um segredo, criando uma cumplicidade inusitada entre os personagens. Na arte há um algo a mais, que desestabiliza aquilo que pensávamos dominar e saber de cor.

Já em “Espelho”, de Favish, e nos trabalhos das séries “Schizo”, de Ofra Amit, e “Lampião e Lancelote”, de Fernando Vilela, o duplo se faz presente, produzindo efeito de estranheza pela forma como se presentifi ca: não se trata de um igual ali refletido. O que vemos é, justamente, uma alteridade.

É esta dimensão da experiência com a obra, de sermos olhados por ela, que se pretende sublinhar. O que acontece conosco quando estamos diante de uma obra de arte?

FLAVIA CORPAS

 

A Arte da Ilustração Infantil:
Dentro e Fora dos Livros

“O artista é um receptáculo para emoções que surgem de todos os lados: do céu, da terra, de um recorte de jornal, de um vulto que passa, da teia de uma aranha…”

E, às palavras de Picasso, eu acrescentaria “…de um livro infantil”.

Foi uma honra ter sido convidada para participar da equipe de curadoria da MACLI e poder contribuir para o diálogo sobre a arte da ilustração na literatura infantil contemporânea. Sendo apaixonada por tudo que diz respeito à literatura infantil e tendo tido a oportunidade de trabalhar por muitos anos neste campo, avaliando livros para crianças, inclusive no papel de editora do PaperTigers.org (um site e blog sobre literatura infantil multicultural que visa promover a diversidade de vozes e narrativas deste nosso mundo globalizado), foi com grande prazer que aceitei o convite.

O aumento da produção literária infantil nas últimas décadas foi terreno fértil para o diálogo do livro infantil com outras mídias. Incorporando linguagens artísticas diversas, o livro infantil ilustrado promove grande criatividade e liberdade no casamento entre texto e imagem e cria para si, como resultado, um lugar único no campo da literatura e das artes visuais. Além de proporcionar ao leitor uma experiência estética e intelectual muito particular e intencional, ele torna a arte contemporânea mais acessível ao trazê-la para o cotidiano das crianças.

Os trabalhos de ilustração infantil de artistas plásticos contemporâneos lançam um novo olhar sobre o mundo rico, diverso, complexo e provocador da literatura infantil. Inicialmente, na história da evolução do livro infantil, o texto era o principal responsável pela narrativa, mas aos poucos a ilustração foi ganhando mais espaço na página, e mais prestígio também, até que, finalmente, conquistou espaço suficiente para ficar par a par com o texto (e até ser responsável por toda a narrativa, como é o caso de livros sem palavras). Uma visita a qualquer livraria, hoje em dia, revela o vasto leque de mídias, estilos, culturas e pontos de vistas retratados em ilustrações inspiradas por obras de literatura infantil. Observando estes trabalhos com atenção, vemos que seus ilustradores levam muito a sério o seu papel não apenas de enfeitar as histórias, mas de expandi-las e engrandecê-las. Ilustradores infantis sabem bem que seu público-alvo é muito capaz e sofisticado no que diz respeito à apreciação crítica do par texto e imagem e que, ao trabalhar o imaginário e a fantasia, suas ilustrações têm o poder de cativar, provocar e fazer pensar. A arte contemporânea que encontramos na literatura infantil de hoje sem dúvida contribui para ampliar a sensibilidade e a visão de mundo não só de crianças como também de adultos.

Os artistas e as obras escolhidas para esta mostra revelam uma diversidade de talentos que transpõem fronteiras geográficas, culturais e políticas.
Do casamento íntimo entre imagem e palavra, estes artistas fizeram nascer obras de arte que, apesar de intimamente ligadas a um determinado texto, são capazes de voar com asas próprias, ou seja, têm vida para além de seu textos e contextos originais.

Qual o elemento unificador destas obras? Elas representam uma seleção de trabalhos de altíssima qualidade criados por artistas renomados especialmente em resposta a textos literários infantis. Esperamos que o encontro com estes trabalhos, dentro e fora dos livros, estimule ideias sobre a sua diversidade de mídias e estilos, e sobre as marcas e influências individuais e culturais que podemos inferir deles. O principal objetivo desta mostra é reconhecer e exaltar a arte contemporânea em sua íntima e relativamente nova relação com a literatura infantil e confirmar o lugar especial que o livro ilustrado ocupa no cenário da literatura e da arte contemporânea mundial — campos generosos e certamente abertos a uma multitude de relações ainda por criar.

ALINE PEREIRA